Transformando um Direito Futuro em Recurso Presente
Uma vez compreendido que o precatório representa um direito de crédito líquido e certo contra o Poder Público, surge uma questão prática fundamental: o que fazer enquanto se aguarda o pagamento, que pode se estender por anos? A resposta reside em um mecanismo jurídico conhecido como cessão de crédito, plenamente aplicável aos precatórios. A transação ou cessão de precatórios é, em essência, a venda desse direito de recebimento futuro por parte do credor original (denominado cedente) para um terceiro (denominado cessionário), que pode ser uma pessoa física ou jurídica.
Essa possibilidade de negociar o precatório está amparada na legislação brasileira, encontrando respaldo no próprio Código Civil, que trata da cessão de crédito como um negócio jurídico válido, e na Constituição Federal, que em suas emendas relacionadas ao regime de precatórios (como a EC 113 e 114), não veda, e em certos pontos até pressupõe, a possibilidade de transferência de titularidade. O credor, detentor do precatório, possui a liberdade de ceder seu crédito, total ou parcialmente, a terceiros, independentemente da concordância do ente público devedor. A lógica é simples: trata-se de um ativo financeiro, um direito patrimonial, e como tal, pode ser negociado.
As motivações para um credor optar pela cessão de seu precatório são diversas. A principal delas é a necessidade de liquidez imediata. Em vez de aguardar na fila cronológica de pagamentos, que pode ser longa dependendo do ente devedor e da natureza do crédito, o credor pode optar por antecipar o recebimento de parte do valor, vendendo seu precatório no mercado. Essa antecipação, contudo, geralmente ocorre mediante a aplicação de um deságio, ou seja, um desconto sobre o valor de face do precatório. Esse deságio reflete o custo de oportunidade do dinheiro no tempo, os riscos envolvidos na operação (como eventuais discussões jurídicas futuras ou mudanças na legislação) e a remuneração do cessionário pelo capital investido e pela espera até o pagamento final pelo ente público.
A formalização dessa transação é um aspecto crucial e tem recebido atenção crescente da legislação e dos órgãos de controle para garantir maior segurança jurídica a todas as partes envolvidas. A Lei nº 14.711, de 30 de outubro de 2023, trouxe importantes aprimoramentos às regras relativas à negociação e cessão de precatórios. Em seu artigo 12, ao alterar a Lei nº 8.935/94 (Lei dos Cartórios), introduziu o artigo 6º-A, que estabelece procedimentos específicos para a comunicação da negociação e da cessão aos juízos competentes por meio dos tabeliães de notas [2]. Essa comunicação visa dar publicidade à transação e proteger tanto o cessionário quanto terceiros de boa-fé, além de organizar o fluxo de informações para os tribunais.
Embora a lei não tenha tornado a escritura pública universalmente obrigatória para todas as cessões em âmbito federal (havendo discussões sobre a interpretação e aplicação de normas infralegais, como portarias da AGU/PGFN e provimentos de tribunais estaduais que podem exigi-la em contextos específicos), a formalização adequada, seja por instrumento particular com as devidas comunicações ou por escritura pública, é indispensável. A comunicação da cessão ao tribunal de origem e ao ente devedor é requisito para que a transferência de titularidade produza efeitos perante eles, garantindo que o pagamento seja direcionado ao novo credor (cessionário) na data oportuna.
Em suma, a cessão de precatórios é um instrumento legal e legítimo que permite ao credor original converter um ativo de longo prazo em recursos imediatos, enquanto oferece ao cessionário uma oportunidade de investimento. Esse mercado dinâmico é a base para diversas operações financeiras, incluindo a possibilidade estratégica de utilizar esses créditos adquiridos para a quitação de débitos tributários, tema que exploraremos nos próximos conteúdos.
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